quinta-feira, 21 de julho de 2011

A História Econômica e Religiosa do rio Jamari

A HISTÓRIA ECONÔMICA E RELIGIOSA DO RIO JAMARI

Edson Cavalari[1]

INTRODUÇÃO

            Este artigo tem como objetivo dissertar sobre a história econômica do médio rio Jamari e os fenômenos religiosos nele surgidos. A justificativa pela escolha do tema se dá pelo fato deste rio ter sido o fator que possibilitou o desenvolvimento das duas primeiras fases econômicas vivenciadas por Ariquemes, já que as drogas do sertão e os seringais existentes em suas margens eram muito conhecidos em outras localidades do Amazonas.
            Para a elaboração da pesquisa foram utilizadas pesquisas bibliográficas, história oral, pesquisa descritiva e a observação sistemática.

RESUMO

A primeira fase econômica vivenciada pelo rio Jamari se deu pela exploração das drogas do sertão. No período da primeira fase extração do látex, o fluxo comercial deste rio aumentou consideravelmente, permanecendo em alta até o declínio da produção da borracha por volta de 1918. A segunda fase de exploração do látex inicia na década 1940 e estende-se até 1955-60. Permeando a produção da borracha, a inassistência religiosa nos seringais fomentou o surgimento de fenômenos religiosos, o que, de certa forma, subsidiava espiritualmente os seringueiros. A utilização da hidrovia do rio Jamari chegou ao fim com a construção da BR-364, a qual dinamizou o transporte, e decretou o fim da exploração dos seringais em larga escala.


Palavras-chave: Extração do látex.  Navegação. Fenômeno religioso.

ABSTRACT

The first phase experienced by the economic Jamari River took the drug for operating the backwoods. During the first phase extraction of latex, the commercial flow of the river has increased significantly and remained high until the decline of rubber production by 1918. The second phase of exploration of the latex starts in the mid 1940s and extends to 1955-60. Permeating the rubber production, rubber plantations in the religious inassistência promoted the emergence of religious phenomena, which, in a sense, subsidized spiritually tappers. The use of the waterway of the Jamari River ended with the construction of the BR-364, which has spurred transportation, and ordered an ende to exploitation of the rubber on a large scale.



Keywords: Latex extraction. Navigation. Religious phenomenon

 1 A EXPLORAÇÃO DA BORRACHA  NAS MARGENS DO RIO JAMARI

            O maior rio que banha o Município de Ariquemes possui uma história rica e pouco conhecida da maioria dos moradores de Ariquemes, assim como do Estado de Rondônia.  As primeiras viagens por este caudal remontam ao século XVIII, quando exploradores das drogas do sertão, vinham, buscar principalmente o cacau nativo.  Francisco de Mello Palheta esteve explorando a região por volta do ano de 1722, sob ordens do governador do Grão – Pará (FILHO, 1926).
            A notoriedade da alta produtividade dos seringais do Jamari espalhou-se ao ponto de alimentar os sonhos de riquezas dos seringueiros durante até mesmo o período de declínio dos preços da borracha brasileira (1912 – 1940) na primeira fase de extração do látex. Firmino, personagem de Ferreira de Castro no livro “A Selva” expressa seu desejo de riqueza; “Mas logo que pagar minha conta, vou para o Machado ou para o Jamari [...] o Machado, ainda se tiram três e quatro galões e podem fazer duas ou três peles[2] por semana” (CASTRO, 1976, p. 114).
            O conhecimento dessa alta produtividade, resultou na maior incidência de exploração comercial do rio Jamari a qual se deu no segundo quartel do século XIX, quando iniciou a exploração dos ricos seringais existentes em suas margens.  Devido à extração do látex em sua primeira fase, a navegação pelo rio Jamari aumentou em intensidade e em volume de carga, sendo necessário criar uma infra-estrutura básica para subsidiar os seringais situados acima da cachoeira de Samuel, bem como para transpor as cachoeiras existentes em seu leito, até o Seringal Monte Cristo.
           
2 A HIDROVIA DO JAMARI E A NAVEGAÇÃO COMERCIAL

            O primeiro obstáculo natural encontrado para a navegação era a cachoeira de Samuel, no baixo Jamari, dado ao desnível existente em época de verão e a correnteza em período de cheia.  Assim, estabeleceu-se em Samuel uma pequena vila comercial, sede de importantes empresas e proprietários de seringais, as firmas Sadock & Maciel e Irmãos Arruda, aviadores concorrentes e rivais donos dos seringais existentes da citada cachoeira até a foz do rio Canaã (MENDES, 1983). 
            Devido às dificuldades de vencer a correnteza da cachoeira, pois na primeira fase da extração do látex, as embarcações que circulavam ao pelo rio Jamari como por outros rios amazônicos eram de propulsão a vapor (REIS, 1953), nesse período foi construída uma mini-ferrovia que ligava a parte baixa à parte alta da cachoeira.  Essa mini-ferrovia de propriedade da firma Irmãos Arruda, tracionada por uma caldeira a vapor, era responsável pelo transbordo das embarcações na cachoeira, além de transportar mercadoria de grande peso, as quais vinham de navios de médio calado até o porto de baixo (MENDES, op. cit. 1983).
            Na cachoeira de Monte Cristo, depois de três dias de subida, as embarcações eram descarregadas, a mercadoria baldeada pela tripulação bem como pelas pessoas que viajavam nos barcos.  Devido à baixa potência dos motores a vapor, nesta cachoeira, foi instalada uma catraca para ajudar as embarcações a vencerem a corredeira (Informação verbal) [3].
            Esse problema só foi minimizado durante a segunda fase da extração do látex com a utilização dos motores à explosão.  Providos desse tipo de propulsores, ao chegar a Monte Cristo, o que sempre acontecia ao entardecer, ao amanhecer do sai seguinte o rebocador vencia a corredeira, soltava um cabo de manila[4] que era amarrado nos batelões e, um a um eram rebocados cachoeira acima e atracado às margens do rio.
            Por ocasião do transbordo da cachoeira de Monte Cristo, a proa do batelão ficava sob a responsabilidade de um tripulante com um machado nas mãos, para que, caso a embarcação tendesse a ficar de lado na correnteza, o cabo era cortado para que o mesmo não fosse a pique.  
            Em meados da década de 1950 uma rocha que havia na cachoeira de Monte Cristo, a qual dificultava a passagem pelo local, foi dinamitada a mando dos seringalistas da região, sendo que para tal empreitada foi contratado um barbadiano conhecido por Mr. Bat [sic] (provavelmente ele se chamava Bartolomeu).  Após a explosão da rocha, ficou mais fácil a passagem pela cachoeira, contudo, o fluxo passou a ser mais rápido no lugar (Informação verbal) [5]·.
            Segundo os antigos seringueiros, há pelo menos dez embarcações naufragadas em Monte Cristo, dentre elas se encontra uma lancha de passeio da Irmãos Arruda e um batelão do marreteiro Fortunato Brito (Informação verbal)[6].
            O rio Jamari era também a via de escoamento da produção da borracha dos diversos seringais existentes nas suas margens ou mais do interior, como, por vezes, do Seringal 70.  Toda a produção dos seringais próximos a Ariquemes era estocada na Vila de Ariquemes e quando iniciava a cheia cíclica do rio, a borracha acumulada era lançada ao rio, onde uma equipe de homens fazia os calhapos[7].  Toda a borracha que não coubesse nos batelões era agrupada em calhapos e desciam o rio dessa forma, pilotadas por um ou dois calhapeiros, responsáveis por mantê-los longe das margens do rio e de fazê-las passar por baixo de paus caídos no rio, até chegarem à cachoeira de Samuel, na qual os calhapos eram desfeitos e transportando por estivadores até as embarcações que esperavam no porto de baixo[8].
            Por ocasião da subida, depois de entregar a borracha na cachoeira, os batelões traziam mercadorias alimentícias e outras das mais diversas: a cachaça que segundo Ferreira de Castro “era como a morfina na vida áspera do seringueiro [...] desanuviador de tristezas” (CASTRO, 1976, p. 86), o álcool que era transformado em cachaça, misturando dois litros de água e certa quantidade de açúcar em um litro água, obtinha-se a cachaça[9] a qual era proibida em alguns seringais para evitar a queda de produtividade, como no Seringal São Pedro alto Candeias[10], ferramentas, medicamentos, combustíveis, passageiros com destino aos seringais localizados no Jamari ou em seus afluentes (HUGO, 1959).
            A maior atividade de navegação no rio Jamari se dava entre o fim de dezembro até meados de junho, quando as águas do rio voltavam a baixar impedindo assim a navegação dos batelões dos seringalistas.    Na ocasião da seca, restava a opção de usar as rabetas[11] ou viajar pela trilha da linha telegráfica construída pela Comissão Construtora da Linha Telegráfica  do Mato Grosso ao Amazonas no início do século XX. A viagem de São Pedro até a Vila de Ariquemes pela já citada picada, gastava-se oito dias, sob o risco de ataque de animais e indígenas (Informação verbal) [12].

3 OS FENÔMENOS RELIGIOSOS

            Outra peculiaridade do rio Jamari, diz respeito à religiosidade dos seringueiros. Como os serviços religiosos eram deveras inconstantes, onde as visitas dos sacerdotes católicos aos seringais, variavam entre um a quatro anos (HUGO, 1959), dois fenômenos religiosos surgiram na região.  Ainda na primeira fase da produção borracha, os seringueiros que em sua quase totalidade eram católicos, faziam seus pedidos aos santos católicos e quando atendidos faziam um princípio[13] de pele, neste ritual era gravado o nome do “santo” para quem fora feito a promessa e em seguida a pele era jogada no rio para que a correnteza a levasse a até um determinado local onde estes, acreditavam, que esta era retirada do rio e entregue ao “santo”. Esse fenômeno era tão comum que, se alguém visse uma pele destinada ao “santo” enroscada nas margens ou em alguma galhada caída no rio, este tratava de desencalhá-la para que esta seguisse seu destino (Informação verbal) [14].
            O segundo fenômeno religioso ocorrido se deu no rio Massangana afluente do Jamari e cuja fama se espalhou entre os seringueiros.  Neste rio localizava-se o Seringal Bom Jardim, e numa colocação[15] por nome de Jabuti, um seringueiro conhecido apenas por “Geraldo”, faleceu em decorrência de alguma doença. O corpo sendo encontrado pelo tropeiro do seringal foi sepultado próximo ao seu tapiri[16], sendo este substituído por um casal. A esposa do novo seringueiro cuidava do túmulo do “Geraldo”, pois gostava da planta que havia em cima do mesmo. Durante um procedimento de limpeza, a enxada teria quebrado um dos galhos e este teria “sangrado”. A notícia espalhou-se que o tal “Geraldo” era “santo” e muitos faziam promessa a ele e, segundo os seringueiros, obtinham suas curas, aumentando o reconhecimento do “santo”. Assim, na segunda fase da exploração da borracha, foi construída uma igreja sobre o túmulo, como forma de pagamento de uma promessa e instituiu-se uma festa anual em homenagem ao “santo” a qual ocorre no mês de outubro.
            A hidrovia do rio Jamari entrou em declínio a partir da abertura da BR-029, transformada em BR-364 na década de 1960, fruto da expansão do capitalismo citado por Berta K. Becker (1990), quando começou o tráfego de veículos de forma mais ampla pela rodovia, o qual teve como mola propulsora o próprio Governo Federal através da Caravana Ford (SILVA, 1984).  O “golpe de misericórdia” sobre a hidrovia do Jamari foi a construção das pontes de concreto, as quais não reservaram espaço para a passagem de embarcações sob a mesma em tempos de cheia do rio.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            O rio Jamari foi uma importante artéria do sistema econômico extrativista Ariquemense.  Este rio possibilitou o desenvolvimento da economia local, durante pelo menos dois séculos completos, das primeiras viagens em 1722 até a construção da BR – 364 em 1960.  Se o rio comanda a vida, como cita Leandro Tocantins (1972), o rio Jamari comandava a vida econômica do atual Município de Ariquemes.  Em suas margens onde se localizavam os seringais, fortunas foram feitas e perdidas, vidas floresceram e foram ceifadas, até que em prol do desenvolvimento automobilístico do país, que na década de 1970 crescia acima de 30% ao ano (FAUSTO, 2006), estradas foram abertas e pontes construídas sem deixar espaço para a navegação fluvial durante a cheias do rio.
            No rio Jamari também se criou fenômenos religiosos os quais deram suporte espiritual para os seringueiros em sua faina anual contra as doenças, muito embora isso tenha ocorrido pela inassistência da Igreja, o que pode ser explicado pelo fato de não haver movimento protestante nos seringais de forma relevante (HUGO, 1959)
            Esses fatores aliados à melhor dinâmica dos transportes terrestre e a construção da Usina Hidrelétrica de Samuel na cachoeira do mesmo nome, decretou a falência do rio Jamari como rota alternativa de escoamento da produção e passageiros em direção aos portos de Porto Velho, Manaus e Belém do Pará.

REFERÊNCIAS

BEKER, Berta K. Amazônia. São Paulo: Ática, 1990.

CASTRO, Ferreira de. A Selva. Lisboa: Guimarães & Cia, 1976.

FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. 2 ed. São Paulo: Edusp, 2006.

FILHO, Virgilio Corrêa. Nas Raias de Matto Grosso: Fronteira Ocidental. Volume IV. São Paulo: Secção de Obras do Estado de São Paulo, 1926.

HUGO, Vitor. Desbravadores. Humaitá: Edições Salesiana, 1959.

MENDES, Matias Alves. As Malvinas do Jamari. Porto Velho: Gênese-Top, 1983.

REIS, Arthur Cesar Ferreira. O Seringal e o Seringueiro. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura, 1953.

SILVA, Amizael Gomes da. No Rastro dos Pioneiros. Um Pouco da História Rondoniana. Porto Velho: SEDUC, 1984.

TOCANTINS, Leandro. O Rio Comanda a Vida: Uma Interpretação da Amazônia. Lisboa: Centro do Livro Brasileiro, 1972.


[1] Professor licenciado em História.
[2] Bola de borracha maciça obtida com coagulação do látex através do processo de defumação.
[3] Entrevista concedida pela Sra. Ercília Rodrigues Fontinele, nascida no atual espaço geográfico de Ariquemes em 1927.
[4] Corda artesanal feita com envira (fibras de entrecasca de algumas árvores).
[5] Entrevista concedida pelo Sr. Francisco Gregório de Souza, ex-Soldado do Exército brasileiro nº. 75.
[6] Entrevista concedida pelo ex- Soldado da Borracha, Sr. Anésio Nunes Ramos.
[7] Enorme jangada de borracha, em forma espiral ou retangular, composta de no mínimo 50 peles.
[8] Entrevista concedida pelo Sr. Jorge Gomes de Menezes, ex-tropeiro do Seringal 70.
[9] Entrevista concedida pelo ex-seringueiro Sr. Aderbal Batista Lopes, do antigo Seringal 70 localizado no atual Município de Jaru, a 70 km de Ariquemes.
[10] Entrevista concedida pelo Sr. Carlos Maurício Gaspar de Carvalho, ex-proprietário do Seringal São Pedro.
[11] Canoas com motores de popa.
[12] Entrevista concedida pelo ex-Soldado da Borracha, Sr. Anésio Nunes Ramos.
[13] Um princípio de pele variava entre cinco e dez quilos.
[14] Entrevista concedida pela Sra. Ercília Rodrigues Fontinele.
[15] Área delimitada pelo seringalista a qual era explorada pelo seringueiro.
[16] Cabana tosca feitas de lascas de tronco e coberta com palha de palmeiras.